Apetece-me falar disto agora que está ai o natal e visto que os brinquedos se tornam desse modo uma das palavras de ordem. E também porque estas questões de género são sempre muito importantes para mim.
Gostava então de tentar falar sobre algo que sem dúvida já deve estar super estudado por psicólogos, sociólogos e todos os demais, ou que pelo menos devia, que é o estudo da educação para a igualdade de género. Agora que estamos em verdadeira azáfama do Natal, reparei e fiquei alerta para algo sobre isso mesmo, que me parece concludente e no qual agora me insurjo: os anúncios publicitários dos brinquedos das crianças, ou até mesmo, os próprios brinquedos em sim. Se nunca repararam na divisão altamente sexista dos brinquedos infantis, então vejam com atenção alguns anúncios, ou olhem para as centenas de brinquedos nas longas prateleiras dos hipermercados, reparem na sua disposição, na sua embalagem, ou até mesmo nos catálogos das lojas de brinquedos, que chegam mesmo a fazer clara distinção total, indicando as páginas com os brinquedos para os meninos e as com os brinquedos para as meninas, associado às cores azul e rosa respectivamente, como não poderia deixar de ser. Poder até podia. Bastava para isso os pais terem em conta que os brinquedos são verdadeiros artefactos culturais e como tal excelentes veículos de valores e atitudes, e que eles próprios, enquanto família, são o primeiro e principal agente de transmissão e reforço de valores estereotipados sexistas nas crianças, nomeadamente por meio da diferenciação dos brinquedos oferecidos às meninas e aos meninos. Como acontece e mal, na grande maioria dos núcleos familiares portugueses, que apresentam uma manifesta linha sexista nas suas práticas e hábitos quotidianos. Sem se aperceberem sequer que estão a por em causa a consecução da igualdade de género num futuro próximo. Poder podia sim, evidentemente, como já disse, mas o que se verifica então, é que os brinquedos corporalizam as exigências e expectativas dos pais, impõem gostos, aptidões e padrões de comportamento, logo nutrem os estereótipos de género. Poderemos questionar-nos também sobre que brinquedos são esses. Bom, pelo o que me foi dado a ver, nas procuras que fiz para comprar um presente para o meu afilhado e também pela televisão, através dos seus inevitáveis anúncios, eles são muitos e vão desde, por exemplo, à casa de brilhos da Polly, à casa das comidinhas da Nenuco, ao Nenuco andarilho, à Barbie Girl com poney, à Barbie cabeleireira, para as meninas. E aos Hotwheel’s e às figuras de Wrestling para os meninos. Bom, como sabem os exemplos de brinquedos sexistas podiam ser muitos mais, mas o que importa reter é estes estarem/serem associados a um ou a outro sexo e que por isso geram mecanismos estereotipados de identidade de género. Aos rapazes é-lhes incutida a vontade de domínio e força, enquanto para as raparigas ficam reservadas as funções de submissão e/ou de domésticas. Em que o casamento é apresentado como principal aspiração. Assim como, por exemplo, as famigeradas carruagens puxadas por cavalos brancos a remeterem aos contos de fadas, bem como os castelos que permeiam o imaginário de princesa que espera o seu eterno príncipe encantado. São então, uma vastíssima gama de dispositivos que são permanentemente actualizados no sentido de manter e reproduzir os estereótipos sociais ligados uma identidade sexual, presumida como fixa e inalterável, quando na verdade não passam de construções sociais que visam a manutenção de relações de poder e de valores e mentalidades conservadores. Porque depois mal as crianças fujam ao seu padrão social no gosto e na escolha dos seus brinquedos, são imediatamente encaradas com um olhar de reprovação social, e até possivelmente objecto de cuidados correctivos de quem defende a velha ordem social.
Cá para mim, se havia brinquedos que eu gostava eram os carrinhos, os brinquedos desportivos (claro!), como skates, patins, bolas… enfim, livros e os jogos de tabuleiro. Felizmente, tive a sorte de ter dois irmãos e de puder usufruir (e muito!) dos brinquedos deles e vice-versa (quantas horas o meu mano passava a brincar com as minhas poucas barbies – apenas duas e o “namorado”, sendo que eu sempre preferi o “gajo” – e eu com os carrinhos dele no meio da lama). Se não como poderia eu, meninA, ter uma bola de futebol e passar tardes e tardes inteiras divertidíssima só a brincar com esse brinquedo em específico? Não havia, infelizmente. Logo, também não me fazia a pessoa que sou hoje.
Por isso, este Natal porque não sermos preocupados ou conscienciosos e oferecermos brinquedos não-sexistas ou jogos cooperativos que não vinculem clichés de género. Se as crianças chorarem, como já vi acontecer, não se impressionem, pois isso é sinal de que ela não está no bom caminho e que muito provavelmente não está a ser educada da melhor maneira, logo o problema não é nosso, que só estávamos a tentar contribuir para a superação da velha ordem moral.
Zão.