Olá BrunoMCP,
Fico contente por te ver criar este tópico. Significa apenas que aquilo que ouviste nas dinâmicas do acampamento - e fora delas - te puseram a pensar. (E sim, sou eu "a rapariga transexual que estava a coordenar".)
No fim da dinâmica, a rapariga transexual que estava a coordenar veio-me perguntar se achava que el@ era um homem.
Eu apenas lhe soube responder o mesmo que a mim mesmo: Biologicamente, sim, és um homem.
Isso é óbvio, mas ela perguntou para além disso. Não sei.
Agora sei o que devia ter respondido:
"Então e eu, achas que sou homem?"
Pois à tua resposta-pergunta, respondo eu:
Não, não acho que és um homem. O que acontece é que te
percepciono como um homem, e isto apenas porque te
apresentas como um homem, além de
cultivares uma imagem masculina. E esta percepção não iria mudar se me confidenciasses ter uma vagina, e não um pénis como poderia ser espectável.
Se pensares, é o mesmo que te aconteceu em relação a mim (e irá acontecer com outras pessoas transexuais que venhas a conhecer). Como tu próprio disseste, não me
percepcionaste como homem ou transexual quando me conheceste. Isto porque eu me
apresento como mulher, além de
cultivar uma imagem feminina. Só levantaste outras hipóteses quando te dei acesso a outras informações, que não podias percepcionar à primeira vista.
E se o que te leva a ti a apresentares-te como homem e a cultivares uma imagem masculina são apenas os factores biológicos, físicos, por mim tudo bem. Na verdade é o que a esmagadora maioria da população faz. Numa discussão mais aprofundada até poderíamos concluir que é daí que advêm fenómenos como o sexismo, o machismo, o generismo, a homofobia, a transfobia e etc., mas secalhar é melhor nem irmos por aí...
O que me leva a mim a apresentar-me como mulher e a cultivar uma imagem feminina é a percepção que tenho de mim própria quanto ao meu género. A tal identidade de género. Já Freud, provavelmente ainda antes de saber e refletir sobre os transexuais, estudava sobre a sua origem e concluía que aquilo que determina o género não é só o sexo biológico com que se nasce. São também factores psicológicos, sociais e culturais.
Se tu és
agender ou não, só tu o poderás dizer. Mas não duvides que o facto de possivelmente não te sentires "nem homem, nem mulher", é em si a tua percepção em relação à tua identidade de género. Ela pode realmente não ser masculina, de acordo com o teu corpo e aspecto físico, nem feminina. Só tu podes fazer a reflexão que te leve a definir onde te situas. E só se quiseres. A maioria das pessoas é feliz sem questionar estas coisas. São elas e ponto final... Não precisas de rotular a tua identidade (e isto em qualquer um dos seus aspectos, seja o género ou outro).
Da minha parte, não posso realmente dizer-te o que me leva a definir a minha identidade de género num sentido oposto ao corpo com que nasci. Isto porque somos todos mesmo psicologicamente diferentes (e não só em relação ao que define o nosso género). Posso apenas partilhar a forma como evoluiu essa definição na minha cabeça, que me fez perceber quem era e quem tinha de ser, que me levou a procurar soluções para me sentir bem comigo mesma e chegar ao ponto em que estou hoje: o de me poder apresentar como quem sou, e exigir
respeito por isso. Mas cada caso é um caso...
Não podes mesmo é questionar a existência dos transexuais, porque nós existimos... Seja o género algo que exista mesmo ou não. Não nos vamos conformar com o corpo com que nascemos, pelo qual sentimos um repúdio que só nós compreendemos, só porque se conclua que afinal somos todos psicologicamente iguais. Mas de facto não somos, e se quisermos deixar de lado teorias de género, e focar-nos na transexualidade, podíamos refletir também nas evidências que se começam a estudar e a identificar na constituição neurológica dos cérebros das pessoas transexuais (aproximando as anatomias cerebrais de homens transexuais a homens biológicos e de mulheres transexuais a mulheres biológicas). Estudar a transexualidade é mais complexo que estudar e refletir apenas as teorias de género. Por isso nenhuma das tuas questionações ofende os transexuais ou descridibiliza a sua existência. Enquanto existirem, biologicamente, homens e mulheres, nós vamos, muito provavelmente, continuar a existir também...