A lua banha-se, no mesmo mar que me beija os pés ... Despeço-me de ambos ... Meu fim, aproxima-se na barca que navega no céu estrelado ...
Deito-me naquela que foi minha praia ... O céu aberto serve de anfitriato a meu olhar ... Toda a minha vivência escorre em pequenos fios ...
Vejo-me saltar de nuvem em nuvem, chover em meu olhar ... Quão bela e tristonha foi minha infância ... Marcada por dissabores, amores jamais descritos pelas mãos de um poeta ...
Chove na minha praia ... São minhas mãos, que choram e gemem o último fado de um poema já gasto ... Percorre no ar uma leve brisa de hipócrisia, afectividade, ausência, fatalidade ... Que cheiro tão familiar ...
Cheiraria a maresia, se não fosse a dor que as nuvens carregam em seu semblante ... Dor que um dia também eu carreguei ...
Vejo então uma lua, que bela lua ... Alegre, fastiosa por me ver em tempos ... Que tempos? ... Não me recordo, ou finjo não recordar ... Tempos em que fui alegre ... Alegria pintada, pelas mãos de um escultor ... Oh! ... Termina o filme de meu passado, com um enxugar de lágrimas que teimam em dançar neste peito já aberto pelo sal ... Sal? ... Perguntarás tu que isto lês ... Sim o sal, que pula nas mesmas lágrimas que um dia fechei em meu quarto ...
Deambulo então por meu mundo ... Mundo hipócrita, de teatro rasca ... Onde fui personagem principal, traidor, herói, salvador ...
Parto para um canto, à espera do barqueiro que estará a chegar ... Carcaça velha diz-me a lua ... Refere-se ao pobre barqueiro que anda nestas andanças à quimeras ...
Chega então o momento esperado ... Embarco na podre e fedente barca ... Fede um cheiro a mofo, será sinónimo de que estou a morrer? ...
Sim, também eu fedi a morte durante anos e anos, sem que ningúem o notasse ...
Que sensação tão agradável, é bom morrer ... Se soubesse teria o feito à mais tempo ...
O barqueiro leva-me sem destino, parando no meio do nada ... Vejo todos aqueles que me são queridos em redor de meu caixão ...
Há um imenso oceano de lágrimas, em torno de seus pés ... A dor essa, corta-se pelo manusear das mãos de um padre hipócrita ... Que faz o breve favor, de abençoar uma alma, que não terá salvação ...
Há gemidos surdos que me ecoam a alma ... Chamam por mim, e não são aqueles por quem eu esperei ... Ou seja, a morte e seus companheiros ...
Mas sim alguém, que teima em dizer que não morri ... Que continuo vivo em seu coração ... Arranco então nesse momento meu coração, lanço-o ao mar ... Proferindo, que morri para a vida, não desejando mais co-habitar neste mundo sórdido ...
Lanço-me nos braços do tempo, deixando-me divagar por suas memórias mais uma vez ...
Acordo ... Onde? ...
Não sei, vejo-me dentro de um ventre .. Estou tão bem, não desejo sair ...
Mas algo me expulsa, com árdua força ... Não, digo eu ...
Vejo-me então num novo mundo, onde tudo é puro e belo ... Renasci sim ... Para a vida, deixando para trás a morte ... Meu corpo não mais cheira a podre ... Cheira agora a rosas beijadas e acariciadas pelo coração daqueles que escrevem o fado do amor ...
Poeta 22/05/2005 2:12