Olá. Após algum tempo ausente estou de volta ao fórum, e venho falar-vos de algo que me inquieta desde sempre, e vi-me obrigado a reprimir o meu verdadeiro eu para me encaixar nos role models e estereótipos da sociedade que "do que um rapaz gay deve ser".
Cheguei a viver momentos horrorosos de bullying por parte da família e no meio escolar...Não foi fácil digerir essas coisas.
Eu desde cedo sempre senti um lado mais feminino em mim (querer pintar o cabelo, unhas, usar makeup, usar saias, vestidos, etc) , em termos de expressão de género, algo ambíguo, não uma aparência somente-feminina ou somente-masculina, porque combina feminilidade e masculinidade simultaneamente. Sinto um duelo dentro de mim, um mix de masculino e feminino, depende dos dias do estado de espirito, e ainda não sei lidar bem com isso.
Gostava de conhecer pessoas que também se sintam assim, trocar experiências, histórias de vida, ter apoio, ganhar coragem para passar a ser quem sempre fui e como sempre me senti.
De todas as vezes que tentei ser eu, as pessoas cortavam-me as pernas, literalmente obrigavam-me a comportar-me como o típico macho-alfa. Ainda me lembro perfeitamente da primeira vez em que decidi alisar o cabelo, usar maquilhagem e pintar as unhas: <<Um colega de turma fez questão de usar isso como motivo de chacota, e de eu querer ser uma maria! >>, tanto em meio escolar como em casa nada foi fácil de digerir, a minha própria progenitora dizia-me <<Tu és um homem ou um gato? Os homens não se pintam, nem usam verniz, pareces uma maria, toda vaidosa, se soubesses o quão bonita ficas, já te pintaste hoje, Maria? Devias ter vergonha (num mau sentido claro)>>, inclusive chegaram ao ponto de me obrigar a tirar o verniz senão não tinha a semanada, fazendo manipulação e jogo psicológico comigo.
E, a primeira vez em que decidi aparar os pêlos das pernas foi uma cena de filme, um horror, por pouco não apanhei tareia, e literalmente queriam internar-me porque eu estava louco da cabeça, que nenhum homem no seu perfeito juízo faria isso.
O meu progenitor chegou a dizer-me <<Sabes o que é tu me pareces, uma mulher, tu fazes de propósito para que as pessoas façam pouco de ti, tens a cabeça toda trocada!>>
Isso foi tão duro, que mesmo após a minha vinda para Lisboa (sou natural da Ilha da Madeira) as diversas vezes que tentei ser eu próprio, não correram nada bem, muitos dos rapazes com quem estive criticavam-me pela forma de eu andar (deve-se a um problema de saúde, que me deixou sequelas para a vida), por ter o cabelo pintado, pelas roupas que vestia, pela forma de agir, etc.
Foi isso e ainda uma ex-amiga minha ter-me dito: <<Sabes o que pareces, um gay que escancarou a porta do armário? És uma b**** histérica, não podes ser assim, andar vestido e te comportares como queres na rua, socialmente, as pessoas vão se afastar de ti, vão gozar de ti, ninguém te vai dar emprego assim, ninguém te vai respeitar, vão te chamar de p*** , não usar o que queres fora de casa, guarda isso para ti, e faz o que queres só dentro de quatro paredes, porque assim como tu queres ser, digo-te nenhum homem vai te querer.>> Essa situação que me aconteceu ainda contribui ainda mais para eu decidir ignorar essa parte de mim, e viver consoante aquilo que os outros esperavam de mim. E de facto, à medida que o tempo foi passando os traumas com os rapazes que ia conhecendo, sempre a mesma coisa, decidi reprimir-me. E tentar ter uma imagem do típico rapaz masculino, sem tiques, e etc.
O meu namorado. na altura quando o conheci tinha o cabelo comprido, e ele não gostava muito disso. E pouco depois de o conhecer, a minha amiga obrigou-me a cortar o cabelo porque tive de voltar à ilha dado uma emergência familiar, e que eu devia comportar-me como homem para não ter chatices nenhumas. Senti-me tão revoltado com isso, mas infelizmente tive de aceitar, porque se fosse para a ilha de cabelo grande, a minha família iria criar atritos comigo.
Conheci o meu namorado através do manhunt, e no perfil dele dizia que não gostava de rapazes efeminados, travestis, b*****, etc etc. Outra vez a mesma coisa, lá voltei eu a reprimir eu mesmo, durante alguns meses . Porque tinha de ser o típico rapaz masculino, sem tiques, nem trejeitos afeminados. Entretanto participei no debate do programa "E se fosse consigo? - A homofobia" e através do programa muita gente me contactou, das quais uma rapariga, que depois de me conhecer, melhor quis fazer uma sessão de fotos por achar que eu teria potencial para fazer algum trabalho fotográfico ou em televisão, e fez questão de levar-me às compras. Após ver o resultado final, apesar de ter adorado as fotos, senti um vazio, que faltava ali um pedaço de mim, senti-me incompleto, tenho uma dualidade dentro de mim ser masculino e feminino ao mesmo tempo.
E certo dia, passados cinco/seis meses de o conhecer o meu namorado ganhei coragem e contei-lhe a verdade, esperava uma reação péssima, mas acabou por revelar-se positiva, apesar de ele ter ficado um bocadinho abalado ao início. Ele apenas tinha medo de deixar de sentir a mesma atração que sente por mim, por eu estar vestido de forma diferente. Mas apoiou-me e apoia-me, e diz-me que eu devo decidir ser quem sou, ser quem me faz feliz, o meu verdadeiro eu. E fui capaz de desconstruir os preconceitos que ele tinha por pessoas fora da norma padrão, porque quem ele gosta, é do meu eu, do meu intimo, e não daquilo que eu decido ser ou usar.
Eu por um lado gostei desta ultima mudança de visual (aquando da sessão de fotos em 2016) que fiz, mas sinto um vazio falta qualquer coisa, sinto a necessidade de demonstrar a parte feminina que há em mim, olho-me ao espelho e falta uma parte de mim, sinto que estou a seguir padrões e que tenho que me vestir tipo menino x, e não tenho a liberdade para ser algo que me sinta EU e me identifique. E sempre tive medo de passar por bullying outravez e de isso não ser bem aceite pelas pessoas envolventes a mim e amigos próximos.
Recentemente, tenho me deparado com mudanças de humor repentinas, ora estou feliz, bem, depois fico triste, sensível, choro, depois estou a rir às gargalhadas que nem um parvo. Por vezes nem me compreendo. Ainda não me sinto totalmente à vontade com o sentir-me feminino e querer extrapolar essa energia que esta cá guardada durante muito tempo... É algo que será aos poucos e gradual. Tenho tentado fazer algumas coisas, comprado algumas roupas novas, mas ainda não as tive coragem de usar na rua, tenho medo de alguém fazer-me mal. Quero adoptar um estilo de "no clothing gender", roupa agénero.
E algo de que gostava muito e acho que me faria bem, (falta apenas ter confiança) seria, um dia vir (quem sabe neste carnaval) a vestir-me drag queen, sinto que preciso de libertar esta tensão, esta energia feminina que há em mim, sentir aquele poder que as mulheres têm... e fazer algo de bom e positivo com isso, mostrar que não há nada de errado com todos os que se sentem assim, o outro lado que há em mim.
O que tem sido difícil nisto, é que nunca tive liberdade nem espaço para poder demonstrar tal, mas agora tenho e ainda não consegui ganhar coragem e ter confiança em mim, talvez por ter pouca auto-estima e confiança seja ainda mais difícil de enfrentar isto tudo, preciso de aceitar-me a gostar de mim assim, e saber lidar com esta dualidade. Outra coisa que ainda me faz impressão é as pessoas julgarem o livro pela própria capa, desde quando sou pior pessoa ou a minha capacidade de trabalho diminui por eu decidir viver como eu mesmo, decidir vestir o que gosto, comportar-me e usar o que faz sentido para mim. Eu simplesmente não vejo género nas roupas, desde que goste e me sinta bem com elas importa. E foi muito mau para mim estes anos todos não poder me exprimir nem ser eu mesmo. E cheguei a um ponto em que estou farto de viver aquilo que os outros esperam que eu seja, e quero passar a ser EU, sem filtros. Há dias em que me sinto feminino e masculino, há dias em que me sinto masculino e noutros feminino.
Obrigado a todos,
André.