Um relato-opinião
do Encontro Nacional
de Associades 2016Ora, coube-me a mim tentar levar para fora daquela sala o que se falou no Encontro Nacional de Associados. Aconteceu ontem à tarde no Centro LGBT e contou com a presença de seis pessoas:
- eu, tomasbarao
- o nevertoolatetobehappy
- o quiquo
- a Cátia Figueiredo (presidente da direcção cessante, e vogal da direcção da Lista A)
- a Susana Mareco (tesoureira da direcção cessante, e presidente do conselho fiscal da Lista A)
- o Vítor Espírito Santo (presidente da direcção da Lista A)
(sendo a Lista A a única lista apresentada até agora para as eleições de hoje)
É impossível relatar-vos com imparcialidade tudo o que se discutiu, portanto fica aqui o aviso de que isto é meio relato meio a minha opinião. Vale o que vale, vou dar o meu melhor. Convido xs restantes participantes a virem ler, rectificar e adicionar ao que escrevi. Também não consigo relatar a ordem pela qual cada assunto foi discutido, portanto é como me lembrar. Ora cá vai...
———A queda da rede ex aequoComecemos pelo pior. A Cátia fez um apanhado da situação financeira da associação: o degradamento de várias áreas levou a uma redução grande na percentagem de financiamento que o IPDJ nos dá (ele financia até ao máximo de 70% do que as associações orçamentam, e a rede ex aequo já chegou a receber essa percentagem ou muito próximo), sendo que só temos três financiamentos efectivos: o IPDJ, o Arraial Lisboa Pride e as quotas des associades. Tudo o resto é residual e irrelevante para as nossas finanças.
A Cátia diz que a associação vai ter que decrescer, reduzir ao mínimo, para depois crescer outra vez. Disse que andamos há imenso tempo a desgastar equipas a fazer coisas que não são tão importantes. Falou-se, por exemplo, das brochuras e materiais impressos. A Cátia disse que no dia a seguir a ter-se começado a distribuir a brochura Sermos Nós Própri@s recebemos um e-mail no geral de uma pessoa a dizer que achava o termo "shemale" ofensivo, e o termo continua lá na brochura há tantos anos. O quiquo disse que às vezes tem vergonha de dar os materiais, por estarem tão desactualizados, e eu disse que também me acontece. Acho que isto foi consensual entre todes.
Fizemos algumas pesquisas no google para ver como se pode chegar à rede ex aequo. Tentámos pôr-nos no lugar de um/uma jovem à procura de ajuda. Pesquisámos de muitas maneiras, e a rea só apareceu na primeira página do google (e em primeiro lugar) quando pesquisámos "associacao jovens gays" — ou seja, sem pôr a palavra "associação" nunca aparecíamos. E isto deixou-nos conscientes do estado das coisas.
Basicamente falámos em pôr o dedo na ferida. Em falar das coisas sem medo. Isto é necessário, e por vezes se as coisas estão demasiado paradas faz falta uma discussão mais acesa, mais sentida. Eu senti que pela primeira vez na rede ex aequo se falava das coisas com paixão. Sim, éramos só 6, vale o que vale, mas acho que já foi muito importante.
Eu disse que de agora em diante a associação tem que funcionar como sempre devia ter funcionado: fazer o que se pode com o dinheiro que temos, com as pessoas que temos e com o tempo que essas pessoas têm para dar. Trabalhar com quem quer e para quem quer. Não tentar fazer omeletes sem ovos. Encontrar esse equilíbrio. Querer mais do que isso é tentar dar um passo maior do que a perna e só vai dar frustrações (na minha opinião foi isso que aconteceu nos últimos anos).
———Gestão de voluntariado, consultadoria,
apoio da Pista Mágica e de outras associaçõesFalámos de gestão de voluntariado (já falada neste tópico), e ficámos a saber que o IEFP já aprovou um estágio profissional para a rea, mas que, devido a essa situação económica, seria completamente impossível pagar x estagiárie, e é provável que continue a ser nos próximos anos. Isto deixou-nos desanimades, porque ter uma pessoa a trabalhar a tempo inteiro é algo que andamos a tentar fazer há muitos anos, e que muita gente afirma ser necessário ao crescimento e sustentabilidade da associação. Mas pronto, agora é trabalhar com o que temos. Vamos a isso?
O nevertoolatetobehappy falou da importância da visão, missão e valores. Ele contactou com estes conceitos quando estava na direcção e foi a uma formação da associação Pista Mágica, num projecto que eles têm chamado VOAHR. Eu contactei com estes conceitos quando estava na direcção presidida pela Andreia Pereira: foi feito um encontro de direcção que contou com a colaboração de um senhor da UPAJE que nos conduziu num processo para estabelecermos uma missão, uma visão e valores para a rede ex aequo. Para mim isso foi das coisas mais fascinantes que fiz na associação, porque permite-te perceber mesmo a fundo quem é que somos como associação, aquilo a que damos valor e quais são os nossos objectivos a longo prazo. Tanto eu como o nevertoolatetobehappy, no encontro, insistimos na importância de sabermos quais são os objectivos a longo prazo.
O nevertoolatetobehappy falou ainda da importância de recorrermos a serviços de consultadoria para sabermos como gerir melhor o voluntariado, de forma eficaz, e para que isso seja o sustento de uma associação saudável. Todes concordaram na importância de fazer esse investimento (que não é um serviço gratuito), mas neste momento, pelos motivos explicitados atrás, não é mesmo possível. Eu falei nas relações com outras associações, porque podemos aprender imenso com elas, e às vezes basta uma conversa de café para perceber como é que as duas associações funcionam e chegar a conclusões extremamente produtivas. No meio de tantas coisas negativas, reconhecemos que também há uma série de coisas em que a rede ex aequo sempre foi muito boa, e com a qual as outras associações aprenderam ou ainda têm muito para aprender. Partilha de experiências é essencial.
———Os grupos locais, ou os novos núcleosFalou-se dos grupos locais, e a palavra-chave foi autonomia e liberdade. Foi consensual entre nós os seis (e acho que entre quase toda a gente) que é preciso mudar o modelo de funcionamento dos grupos locais. O Vítor revelou que a lista nova já pensou nisso, se bem que um pouco em cima da hora, e definiu que os grupos terão que ter mais liberdade. Alguém perguntou como é que isso se reflecte no regulamento, se já se escreveu alguma coisa, porque isso tem que se votar na AG. O Vítor disse que a lista não definiu nada por escrito, porque o objectivo é mesmo haver alguma liberdade, e porque se for para escrever isso não se pode ser feito em cima do joelho. Houve consenso de que primeiro importa pensar sobre este modelo, testá-lo e tentar pô-lo em funcionamento, e que depois logo se muda o regulamento quando for oportuno (a Cátia disse que isso era um bom motivo para convocar uma AG extraordinária se fosse necessário). Segundo o Vítor, a única coisa que a lista proponente decidiu concretamente até agora foi chamar-lhes Núcleos. Eu gostei do nome. Perguntou-se porquê mudar o nome, e acho que chegámos ao consenso de que libertar o nome é o primeiro passo para que o resto das coisas possam ser também libertadas.
Falou-se muito sobre não esquecer aquilo que funciona bem nos grupos, principalmente porque o quiquo, o nevertoolatetobehappy e a Susana têm alguma experiência de coordenação, ao contrário de mim, da Cátia e do Vítor. Há sempre esta facção do pessoal que quer fazer diferente e acaba por negligenciar os grupos (onde me incluo) por não os conhecer tão bem e por não precisar deles, e há os que participam nos grupos ou coordenam, que têm que explicar aos primeiros porque é que importa mesmo manter uma série de coisas que estão bem nos grupos, porque é que ainda há tanta gente que precisa deles, porque é que é importante e recompensador para nós o apoio continuado, etc. É importante que todos compreendamos isto tudo, e eu só compreendi quando vocês começaram a tentar explicar-me aqui neste tópico. Somos voluntáries diferentes, com visões e gostos diferentes, e por isso importa que falemos.
A Susana lembrou que o regulamento diz que os grupos têm que fazer pelo menos uma actividade por mês, mas que não diz que essa actividade tem que ser uma reunião. Segundo ela, quando se pedia a alguns grupos para imaginar alguma actividade diferente a coisa mais original que se consegue é... um jantar (e todes rimos, porque de facto isso já não é original na rea). E alguns jantares correram super bem e deixaram as pessoas motivadas. Mas é preciso fazer outras coisas também. Falou-se então nas formações: as pessoas fazem as coisas de determinada maneira e os grupos têm certos hábitos porque é assim que as formações são dadas. Falou-se muito no grupo ex aequo porto, pela inovação que tem feito, principalmente nos temas e nos tipos de actividades, pela irreverência e dinamismo. É um exemplo a seguir.
Tentei expressar a minha visão sobre os grupos: em vez de termos um modelo que é imposto do topo da pirâmide para baixo, temos que deixar as pessoas criarem os seus próprios grupos consoante os seus gostos e as necessidades das suas regiões. Dei o seguinte exemplo: se houver um conjunto de pessoas em Alguidar-de-baixo que quer criar um grupo e basicamente só gosta de fazer jantares, isso não tem mal nenhum e devemos apoiar essas pessoas. E se em Alguidar-de-cima houver pessoas como o quiquo e o nevertoolatetobehappy, que querem fazer algo mais como o modelo "tradicional" porque compreendem e já comprovaram a importância e eficácia desse tipo de apoio, também está certíssimo. No dia em que começarmos a dar essa liberdade, haverá grupos que vão primar mais pelo anonimato, e outros que não tanto; uns vão ter mais aptidão para desporto e outros não tanto. E se calhar é por isso que existe um clube tejo e não existe um clube douro. Haverá um clube douro quando surgir vontade para isso. Não podemos tentar forçar nada. É suposto haver diversidade! E agora pensem: fala-se muito sobre a comunicação dos grupos com a direcção e sobre o apoio que ela deve dar aos grupos, mas nunca se fala sobre pôr os grupos em contacto uns com os outros, e funcionar tudo mais em modelo de apoio entre pares. Partilharem as suas experiências e aprenderem uns com os outros. No seguimento do meu exemplo, quando os outros grupos aprenderem com o grupo de Alguidar-de-cima como é que se fazem dinâmicas que permitem às pessoas estar à vontade para desabafar, aí teremos um monte de grupos capacitados com as técnicas que desde 2003 temos vindo a aplicar e que funcionam e que valorizamos. Há maior riqueza do que isso?
———A comunicação externa, a necessidade
de profissionalismo e medição de resultadosFalou-se muito de uma comunicação externa mais profissional. Falou-se muito em ti, plan, devido ao post que fizeste aqui neste mesmo tópico, e toda a gente concordou que seria muito bom que colaborasses com a rea mais a fundo, e também que mais pessoas de Marketing/Publicidade se chegassem à frente. Falou-se em medir resultados, como tu sugeriste. O nevertoolatetobehappy disse e reforçou que precisamos mesmo de saber do que é que xs jovens lgbti precisam, de que maneiras querem ser ajudades, se conhecem a rea ou não, se já procuraram e porquê. Sugeriu que se fizesse um questionário, e o Vítor levantou alguns problemas em relação ao questionário. Eu sugeri que se falasse cara a cara com as pessoas.
Falámos um pouco sobre a importância de se fazer vídeos e a possibilidade de fazê-lo com materiais simples e custo zero.
———Funcionamento interno e comunicação
entre nós todes, sermos uma verdadeira rede!Falámos sobre a centralização da associação e do trabalho todo na direcção (assunto já de há muitos anos, algo que causa um desgaste enorme nas pessoas que constituem esta equipa). Referiu-se que o PE é um dos projectos em que temos alguém a trabalhar fora da direcção e a coisa corre muito bem, é um voluntariado sério, constante e responsável. Sempre que se tentou constituir equipas fora da direcção, não correu bem, porque as equipas ou não começaram a funcionar a full ou foram-se perdendo. Não falámos disto, mas gostava de salientar: a equipa de comunicação externa, neste momento orientada pelo Caires, é como o PE: tem funcionado com uma constância muito fixe.
E isto leva a outro assunto, levantado pelo quiquo: ele, enquanto coordenador, nunca soube como é que se processava a divulgação externa, redes sociais e afins. Ou seja, ele quando precisava de divulgar coisas nunca sabia a quem se dirigir: precisava de falar com a direcção para a direcção falar com a equipa de comunicação externa. As pessoas dentro da associação não têm noção das equipas que existem, dos processos e de com quem podem falar.
Tudo isto desagua na importância de trabalharmos em rede, que é algo que o António Serdezelo diz que nós fazemos muito bem, mas se calhar não é verdade, como podemos comprovar pelos exemplos dos dois parágrafos anteriores.
O quiquo salientou a importância de toda a gente comunicar no mesmo sítio, na mesma plataforma, para nos podermos entender. Eu disse que tenho andado a experimentar, em conjunto com o T-Rex, o sistema de fórum que o skar começou a preparar, e que nesse sistema é muito fácil eu escrever "@coordenadorxs" para rapidamente conseguir falar com todes xs coordenadorxs, ou escrever, por exemplo "@equipaComunicacaoExterna" para falar com essa equipa, e isso é muito bom. Ou seja, estou optimista com esta plataforma e acredito que possa responder àquilo que o quiquo acha necessário.
Puxei ainda outro assunto: disse que conheço duas associações que têm reuniões de direcção completamente abertas a quem quiser participar, sócio ou não, e que isso funciona bem. Porque não fazermos isso também? Já ouvi muita gente dizer que a associação durante muitos anos funcionou sendo a direcção um conclave: primeiro intencionalmente, depois quando quisémos abrir e descentralizar isso aconteceu outra vez por força do hábito. Toda a gente sabe que isso é mau. Portanto, se queremos uma associação horizontal e transparente, porque não, reuniões de direcção sempre abertas? Que grandes segredos cabeludos há para esconder? Creio que a generalidade dos presentes concordou com isto. Bora lá!
———Sem medosFalou-se sobre a possibilidade de mudar o nome da associação. É daquelas coisas tabu e envoltas em dogma. Soubémos que a lista proponente já pensou nessa hipótese. Não temos propriamente sugestões concretas, nem definimos se era necessário ou não mudar, mas concordámos que se tiver que se fazer não podemos ter medo. Estamos disponíveis para isso. Que me lembre, a única proposta que falámos foi a de se abandonar as siglas (que são sempre incompletas) para passar a chamar-se "rede ex aequo — associação de jovens pela liberdade de orientação sexual e identidade e expressão de género", à semelhança da AMPLOS. Lembrei-me agora, a escrever isto, que isso pode excluir as pessoas intersexo. Falámos também sobre o nome "rede ex aequo" em si. Por um lado as pessoas confundem, não conseguem pronunciar, é uma confusão. Por outro é bonito, tem já alguma história e é distinto. Mas pronto, são tudo questões altamente subjectivas. Nada disto é fácil, de todo, mas também não se precisa de decidir já. (Se for preciso convocar alguma assembleia geral extraordinária para decidir essas coisas, porque não recorrer a esse meio? As coisas acontecem sempre em cima da AG ordinária de Dezembro, e não tem que ser necessariamente assim.)
———Bem, obrigado do fundo do coração por terem lido até ao fim. Sei que algumas pessoas não vão querer ler tudo, mas dei o meu melhor. Acho que é urgente falarmos, falarmos e falarmos. Sem medo. Portanto, sintam-se à vontade para recontar esta história a quem não a leu, para acrescentarem um ponto, para trazerem para aqui as opiniões que vos disseram. Precisamos de falar!!!
Beijinhas e até breve.