Olá... Não sei bem por onde começar, mas tenho de desabafar dê por onde der, porque já não aguento ficar sem "verbalizar" o que anda cá dentro há tantos anos... e não tenho com quem falar sobre isto...
Nasci do sexo feminino e, enquanto criança, tinha uma certa aversão a coisas mais femininas, principalmente a roupa. Lembro-me de chorar em frente à minha mãe (devia ter uns 5 anos) depois de ela me vestir um top cheio de folhos e uma saia, mas ela via isto como uma birra. Eu não gostava de brincar com meninas que fossem muito femininas e vaidosas (fugia delas e sempre me senti mais à vontade com os meninos).
Por volta dos 12 anos foi quando estes pormenores começaram a ganhar maior dimensão. A transformação do corpo provocou-me sentimentos de raiva e desconforto, mas sempre vi isto como uma fase típica da adolescência e esperei que passasse. No 9º ano de escolaridade foi quando me apaixonei seriamente por um rapaz e a minha "fase" agravou-se... A minha auto-estima desceu ao ponto mais baixo, faltei dias seguidos às aulas e acabei por chumbar esse ano. Eu sentia-me tão mal, mas não sabia porquê. Em casa, os meus pais nem davam conta (ou nem queriam saber) e andavam ocupados a discutir todos os dias (que levou ao divórcio quando eu tinha 16 anos).
Passei os anos seguintes a tentar perceber o que se passava comigo. Eu apaixonava-me por rapazes (exclusivamente) e os namoros (que foram poucos) só duravam umas semanas, sem haver qualquer intimidade. Fui sempre eu a terminar os namoros, porque nunca me sentia bem. E continuava a não perceber qual era o meu problema. Na minha família, alguns familiares comentavam o facto de eu não ter vaidade e as minhas roupas serem sempre muito "fechadas" (nada de decotes, etc) e que eu era, portanto, "muito tímida" (era o que diziam e eu acreditei que era este o meu problema).
Aos 20 tive, pela primeira vez, intimidade com um rapaz. Não foi propriamente um pesadelo, mas não foi bom para mim... Senti-me sempre "fora de contexto" e com um incómodo psicológico que não consigo descrever. Eu tinha desejo sexual, gostava dele... mas algo em mim não estava bem. Foi nesta altura que comecei a achar que algo estava muito errado comigo e que não era só um problema de baixa auto-estima. Comecei a pesquisar intensivamente onde e como podia... e cheguei ao tema dos problemas com o corpo e, eventualmente, identidade sexual.
Pelos 23 ou 24 comecei a desconfiar seriamente que tinha definido o problema: transsexualidade. Tudo o que lia sobre este tema encaixava na perfeição com aquilo que eu senti e vivi durante tanto tempo: o desgosto com o corpo (tudo aquilo que o define como sexo feminino) e, finalmente, admitir que, se pudesse ter escolhido, tinha escolhido um corpo masculino. Mas mesmo assim não acreditei que fosse verdade, por dois motivos: eu nunca tive um comportamento físico que fosse muito masculino e, além disto, a minha orientação sexual sempre esteve bem definida (atracção pelo sexo masculino). Achei que não podia ser transgénero por estes motivos.
No entanto, agora que fiz 30, esta realidade afecta-me cada vez mais e percebi que identidade sexual e orientação sexual não têm padrões entre si, são independentes um do outro... e, assim, a minha situação é verdadeira e possível: tenho atracção por homens e o corpo com o qual me identifico é, também, com o sexo masculino. É simplesmente desolador e horrível...
Não tenho a quem contar isto, pois tenho a certeza que ninguém ia perceber. De certeza que a resposta seria algo como "Se gostas de homens e és fisicamente mulher, qual é o teu problema?"... O meu problema é grande. Desisti de ter relações amorosas e íntimas, porque nunca me sinto bem com este corpo. Tentei, forcei-me a aceitá-lo e a viver assim, mas quando chego ao momento da intimidade, a realidade atinge-me como uma facada e não consigo deixar de me sentir mal. Rejeito qualquer avanço de interesses amorosos, porque já nem tenho forças para lidar com isto. Não suporto que me chamem "mulher", não suporto que me perguntem "Tu, que és mulher, o que achas disto?", nem que dividam um grupo entre homens e mulheres... aconteceu-me uma vez e acabei por abandonar o local e as pessoas. Foi extremamente ofensivo. Mas que posso dizer? "Não me chamem mulher e não me separem com elas!" ??
Sinto que sou uma pessoa que nunca ninguém vai conhecer. Uma pessoa que, quando se olha ao espelho, não consegue ver o seu próprio reflexo. Uma pessoa cuja confiança e potencial estão inibidos devido à depressão e ao choque. Nunca contei isto a ninguém, nunca o tinha escrito em lado nenhum... É aquela sensação de estarmos sozinhos, mesmo quando estamos rodeados por pessoas... Obrigado por terem este fórum, que penso ser o único em Portugal para a comunidade LGBT...