Felizmente as coisas hoje... concideravelmente mudaram. Vou deixar aqui as minhas palavras, lembro-me da altura em que as escrevi. Nao estava a passar por uma situacao facil. Pode ser que alguem esteja a passar pelo mesmo que passei. So quero dizer que nunca podemos deixar de lutar. Nunca. E um dia podemos conseguir o que queremos, eu consegui.
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Antes de mais, olá a todos. Vou partilhar um pouco do que se tem passado ao longo destes últimos anos. Tive conhecimento do forum a partir de uma chamada para a linha de apoio lgbt, pelo que me sugeriram vir aqui e aceitei.
Desde que me conheço, que sempre tive consciência que em mim algo era diferente. Na verdade, nunca começou... sempre existiu. Já em criança, tinha preferência a estar com raparigas, ouvir e perceber atentamente as suas brincadeiras e por vezes participar. Nunca fui o rapaz que jogava a bola, ou subia as árvores... Tinha noção que algo era diferente, mas essa mesma diferença fazia parte da pessoa que era, e hoje sou. Cresci numa família que hoje percebo ser retrograda, homofóbica e vou me atrever a dizer ignorante... porque ao fim ao cabo o preconceito é ignorância. Em pequeno, sempre percebi do distanciamento que existia entre mim e o meu pai. Na minha casa o diálogo nunca existiu. E quando fazia algo de errado, era agredido por duas pessoas ao mesmo tempo. De um lado, o meu pai, do outro a minha avó. Com colheres de pau, fivelas dos cintos e etc. Começou a criar-se então uma revolta muito grande em mim. Memorias de infância que posso guardar do meu pai? Violência. Fui crescendo com esta realidade, e à medida que o tempo passava, cada vez mais eu me consciencializava que algo não estava, de todo, correcto. Foi durante a adolescência que, sozinho, comecei-me a descobrir e a encontrar-me. Sentia claramente atracção por pessoas do mesmo sexo que o meu. Mas na minha cabeça fazia-me alguma confusão isso estar a acontecer, pois teria sido educado que a homossexualidade é uma abominação, um pecado, uma doença, etc. Tinha isso incutido em mim, mas o choque foi demasiado, quando me confrontei com a realidade. Eu era tudo aquilo que a minha família sempre recriminou. Era o filho homossexual. Não me conseguia sentir um filho amado e desejado por completo, era impossível, pois eu era o que todos eles detestavam, e ninguém sabia, ninguém queria saber. Passei tempos com o medo de não me aceitarem e tentava ter isso com certo, mas tinha alguma esperança que pelo facto de ser filho deles, algum amor de sua parte existir, e me aceitassem. Pois tal nunca aconteceu. Passei por um longo processo de auto-aceitação, durante isso... juntam-se hoje mais de 5 anos de bullying homofóbico no meu local de ensino. Foi em lágrimas, que me dirigi a uma amiga muito especial, e contei-lhe quem eu achava que era, e o que eu achava que seria, e foi em lágrimas que ela me aceitou e compreendeu. Naquela altura, naquela noite, consegui pela primeira vez alcançar um sentido de orgulho, um sentido de valor próprio como ser humano, como que até aquele dia nunca tinha sentido. Sentia na flor da pele o que era o ódio e a homofobia. Achei que estava preparado para dar um passo seguinte, e contar à minha mãe. Julgava que ela me ia aceitar ou pelo menos compreender. Pensei muito bem sobre o que lhe deveria dizer, e claro que se cheguei a este passo, tentei sempre adquirir o máximo de informação possível, para eu também me poder compreender a mim mesmo. Lamentavelmente, quem sempre tinha falta de conhecimento, informação era os meus pais. Ao inicio a minha mãe parecia até ter reagido bem, mas não durou muito tempo. Quando se começava a aperceber que o meu mundo não correspondia à realidade que ela teria projectado para mim, começou a entrar em sofrimento. A sua homofobia começou exactamente aí, quando me começou a achar um doente, um ser humano que precisava de ser curado do pecado que estava a cometer. O meu pai não sabia da minha orientação, visto que ele era muito mais homofóbico, tencionava contar-lhe um dia mais tarde, quando fosse independente. Tal não aconteceu. Os meus pais começaram a controlar-me em tudo. Ler cadernos, ver o computador dentro daquilo que conseguiam, visto que também tinha que proteger a minha privacidade, mas chegaram sim a interferir nela. Um dia, o meu pai encontrou o meu disco rígido externo e viu fotografias que lá tinha. De eu com um namorado. Um relacionamento que tinha acontecido. Ao ver isso, tentou-me intimidar, e disse que o conteúdo do disco rígido externo estava nas mãos da policia. O que não fazia sentido nenhum, e obviamente que estava em posse dele escondido, que mais tarde me veio a dar. A vida foi continuando e as coisas na escola não estavam sequer bem. Estava a ser diariamente vitima de bullying e não estava a aguentar. Como se pode perceber e imaginar, eu estava prestes a explodir. Em casa, estava diariamente perante o clima mais homofóbico possível, e na escola a situação estendia-se. Pensei em terminar com tudo. Estava a sofrer demais. Tentei cortar os pulsos, cheguei a fazê-lo, mas foram golpes baixos e mesmo assim parei. Parei e pensei, e de facto não faria sentido nenhum desistir assim da minha vida. Tentei me erguer, mas como é óbvio pelo caminho tive imensas adversidades. Cheguei a consumir excessivamente álcool, tabaco etc. Tudo para tentar esquecer todo este sofrimento. As discussões em casa aconteciam cada vez com mais frequência e eu estava a perder a paciência. Foi durante uma discussão, que o meu pai me disse “Tu não devias ter nascido.” Enquanto a minha mãe me travava como um doente, interiorizando a sua dor, e NEM POR UM MOMENTO ter percebido o quanto tudo isto me estava a custar. Nem por um momento ter valorizado eu me ter aberto daquela forma a minha própria mãe. Foi difícil, e está a ser. Tudo se foi mantendo, e continuando. A minha mãe resolveu procurar ajuda então, achava-me doente e eu precisava de cura para essa doença. Achava que a tinha encontrado na religião! Eu super perdido com todas estas situações, assimilei tudo o que me diziam e aceitei e cheguei a ir. A minha mãe achava que era uma FASE, algo que Deus podia curar/livrar-me de. O inferno foi continuando, até que ontem me veio falar porque o meu irmão foi chamado de Gay. Obviamente pelos seus comportamentos afeminados. Diz ela, que a culpa era minha. Que por eu ser assumido a algumas pessoas, o meu irmão está a ser chamado disto. Diz também que, uma mãe quer o melhor para os filhos, e ser-se gay é o pior. (E até tem razão. Ser-se gay traz muito sofrimento. Mas ela disse aquilo num sentido homofobico, queria dizer que ser-se gay, é uma vergonha.) Na escola actual: Cheguei a um ponto que não suportei mais o que estava a acontecer e senti-me obrigado a tomar uma atitude. Assumi-me e acatei a minha decisão. Pois os meus pais agora sentem VERGONHA de mim. Não vão a nenhuma reunião, e muito menos á gala de finalistas. Pois bem, este é o inferno em que estou metido.