A orientação sexual não pertence necessariamente à esfera íntima da pessoa, uma vez que tem repercussões directas na nossa vida social e em todas as decisões importantes que façamos na mesma, em companhia de alguém e até mesmo sozinhos. Imaginem que adoptam individualmente uma criança, concerteza a determinada altura, a criança, conscientemente ou não, vai expressar publicamente o conhecimento que tem da sua vida familiar...
É claro que
se não existisse discriminação e se a homossexualidade fosse encarada socialmente com a naturalidade da heterosexualidade, e àquela não estivesse subjacente uma conotação negativa que a sociedade no geral lhe incute...
não faria sentido sequer pensarmos se pertence ou não à esfera privada. Nessa altura em hipótese... casar-nos-íamos, e o nome da outra pessoa constaria no nosso bilhete de identidade, uma identificação pública, iríamos optar por um regime no casamento, em que a outra pessoa iria publicamente beneficiar do mesmo, perante um notário, uma instituição, nos descontos salariais do emprego, faríamos escrituras sem questões, partilhariamos o seio familiar de outra forma (obviamente poderiam não gostar de nós pelo nosso feitio mas não por sermos homossexuais), seriamos respeitados e acarinhados como conjuge num funeral , pagaríamos os nossos impostos em conjunto sem admiração, reservaríamos um quarto de hotel sem perguntarem se as camas são juntas ou separadas, e no nosso trabalho convidariam o esposo ou esposa para um jantar de Natal sem constrangimentos.
Ora muitas destas coisas podem também acontecer hoje em dia, com a descriminação que existe, a qual felizmente é variavel de pessoa para pessoa, e esse tipo de situações não é algo que seja passivel de "ocultar" em muitas delas, é uma opção da pessoa fazer essa omissão mas complicado se queremos usufruir de um determinado estatuto na familia e na sociedade e permitir que a pessoa com quem estamos possa ser respeitada pelo seu verdadeiro estatuto e não apenas como uma grande amizade.
Tudo isto para dizer que não é possivel dizer que a nossa orientação pertence à esfera privada, quando se tomam decisões e posições mais abrangentes que a sobrevivência e que isso só faz sentido porque temos medo do que pode advir da nossa visibilidade. Quando digo temos, incluo-me a mim própria.
Há medida que a vida vai avançando queremos o melhor para o nosso companheiro / companheira, e é necessário uma data de manobras, desde seguros de saúde e de vida no nome da outra pessoa, testamento, contas comuns ou tranferências constantes, união-de-facto, adopção cheia de clausulas, etc etc, para que simplesmente a pessoa com quem estamos possa usufruir de um património e continuar um projecto de vida comum, para que depois de desaparecermos deste mundo nada lhe seja retirado. Tudo isto é muito triste mas actualmente estamos desprotegidos, numa situação vulnerável que embora tenda a ser corrigida, é um processo moroso. Uma luta. Então voltando às questões que enumerei, é muito difícil que no meio de tantas manobras seja possivel dizer "eu sou homossexual e ninguém tem nada a ver com isso". Eu posso dizer que a forma como faço sexo não diz respeito a ninguém, mas a minha orientação sexual diz respeito a tantas pessoas quantas as que interferem directamente na minha vida, da minha mulher ou da minha familia.
Relativamente ao tópico, é dificil ter a coragem do paulosabino, e cada qual tem o seu tempo de maturação e de avaliação das condicionantes da sua vida, que lhe permitam ou não ter uma atitude de abertura com o mundo. Eu pessoalmente considero dificil que comente, caso não me questionem, a minha orientação sexual sobretudo com pessoas da esfera social dos meus pais, pois embora eles saibam e apoiem, compreendo ser-lhes dificil o que os casais amigos mais conservadores possam achar e como tal tento contornar essa situação para que não sejam penalizados, pois sei que socialmente não se sentem bem com a situação. Contudo tenho esperanças que isso melhore, que estas questões sejam na minha familia debatidas com mais fluidez.
Em relação ao trabalho e aos vizinhos, não escondo mas também não faço questão de vincar a minha orientação. Se me perguntarem... respondo claramente.
Quando há algum homem interessado, respondo claramente mas com educação, pois afinal ninguém à partida adivinha. Agora, se vir que é um "bronco" que há partida vai fazer disso uma escandaleira, digo simplesmente que tenho um compromisso.
Quanto às pessoas não tão conhecidas, que amigavelmente perguntam se não vou casar etc, depende do grau de conhecimento que tenho com essas pessoas, quando não é nenhum, acho que não lhes compete fazer essa questão daí que respondo "talvez um dia", mas caso a pessoa, se tiver cruzado comigo algumas vezes e já tenha havido conversas anteriores é possivel que diga directamente.
