A mim é-me difícil acreditar no Medina Carreira, na medida em que uma pessoa com responsabilidades no actual estado do país não pode vir, agora, uns anos depois criticar toda a classe política, sem se incluir na mesma.
Não o estou a ilibar de culpas quanto a nada; essa já é outra questão. Posso apreciar a música de Wagner sem ser anti-semita como ele.
Depois, esse senhor tem vindo, com informações ultra-falaciosas, a defender a consolidação orçamental da ditadura fascista portuguesa. Assim sendo, esses números parecem-me imensamente inverosímeis, basta aliás comparar o orçamento da Segurança Social com o do Estado Português para se chegar a um número bem mais real.
A Segurança Social não é a única medida de redistribuição de riqueza neste país. Os 70% referem a totalidade dessa redistribuição.
Concordo que os mecanismos de redistribuição da riqueza não andam a funcionar, não consigo, contudo, atacá-los dessa forma, na medida em que me parece da mais elementar humanidade alimentar, cuidar, tratar, educar, uma pessoa que não tem dinheiro para se prover a si própria. Acredito que temos o dever moral de abdicar de, se os nosso rendimentos o permitirem, abdicarmos de uma parte para que os que menos têm possam viver com um pouco mais de conforto.
A crença nessa moralidade não implica a existência do Estado Social - ferramenta coerciva - como consequência lógica inevitável. Há uma diferença entre responsabilidade individual e responsabilidade governamental.
Se as pessoas fossem, naturalmente, boas, estes mecanismos poderiam funcionar de forma voluntária.
Eis algo que considero cinismo inconsistente... nada é 100% preto ou branco: todos temos instintos egoístas e altruístas. Se as pessoas não são boas, as pessoas que lhes tiram dinheiro para pôr nos cofres públicos também não o são. O século XIX viu um enorme desabrochar na caridade privada e nas instituições sem fins lucrativos, sendo os Escuteiros e a Cruz Vermelha apenas dois exemplos. A filantropia em grande escala foi a norma entre os 'robber barons' americanos. Esse espírito, infelizmente, tem sofrido sob o Estado Social, que é bem menos humano, bem menos cara-a-cara e mais burocrático, impessoal e ineficaz.
Mas como um grande capitalista que ganhe mais de 2 milhões de euros por mês considera que não tem nenhuma responsabilidade pela manutenção da dignidade económica de uma pessoa que sobrevive com 200 euros mensais, temos de aplicar mecanismos coercivos de redistribuição da riqueza (impostos, etc.).
A beleza da coisa é que o grande capitalista já está a ajudar o país inteiro apenas sendo o que é. Os seus avultados investimentos geram emprego: as suas compras extravagantes geram emprego (alguém tem de construír as mansões e os iates), e as suas reservas bancárias geram investimentos que geram emprego (ninguém fica rico guardando tudo no colchão e sentando-se por cima). Se não estivesse a servir a economia em geral, não seria rico. Antes da riqueza ser redistribuida, tem de ser criada.
O Estado Social é a maior garantia contra a pobreza e a fome. É que, por muito que eu hoje produza, se de hoje para amanhã desenvolver uma doença grave que me impossibilite de trabalhar, sem os mecanismos do Estado Social caio na mais franciscana pobreza – não será com certeza, um qualquer capitalista liberal que me ajudará nesses momentos.
Em primeiro lugar, uma ausência de Estado Social implica uma ausência de tributação que se destine ao Estado Social (não é pouca coisa). Nos tempos que correm, o Estado Social tem retribuído contribuições absolutamente miseráveis a quem lá tem depositado dinheiro a vida toda, e as pessoas acolhem mais e mais às instituições de solidariedade. Mais dinheiro no bolso de cada pessoa significa menos pobreza. Também pareces estar a fingir que as seguradoras e as contas de poupança não existem.
Se não têm dinheiro para investir em educação ou num pequeno negócio, como podem vir a viver melhor?
Não conheço muita gente que ganhe o mesmo dinheiro aos 40 que ganhava aos 25 - seja quem for.
O meu avô paterno foi, aos 12 anos, de Chaves, onde nasceu, para Espinho, com um tio (os pais morreram era ele pequeno) e felizmente pôde ser empregado no célebre Café Chinês, já que não existia salário mínimo. Poupou e aos 21 anos abriu uma banca de fruta que se expandiu para supermercado ao longo dos anos. Trabalhou lá até se reformar aos 65. Nestas condições de relativa humildade (já bem menor que a da geração passada, evidentemente), o meu pai começou aos 14 anos como jornalista voluntário em Espinho, adquirindo experiência. Isto permitiu-lhe trabalhar para a Agência Lusa enquanto estudou Direito em Coímbra (curso que não completou, pelo que não tem qualquer formação académica respectiva ao jornalismo), e daí transitou para o Expresso; pouco tempo depois foi membro fundador do Público, onde foi director da redacção, mas do qual saíu para se tornar freelancer - foi editor da revista Wine, co-director da Rádio Nova, escreveu crónicas para o JN, um livro sobre o jornalista de guerra Mário de Carvalho, sobre o festival Cinanima e sobre a família de luthiers Capela, foi editor d'O Tripeiro e participou na produção de documentários na Ideias e Conteúdos, alternada ou simultaneamente. Há 4 anos tornou-se subdirector de informação da RTP, ganhando um salário com o qual o pai não contaria e com o qual os avós, miseráveis camponeses de Trás-os-Montes, nem sonhariam.
Não o fez apenas por seu interesse próprio, mas para poder proporcionar aos filhos uma vida melhor do que a dele, tal como o pai dele fizera. E sim, sei bem que a RTP é pública, mas não o teriam convidado para um cargo desta importância se ele não tivesse o CV que tem; além do mais, os salários para cargos equivalentes na SIC e na TVI não são mais baixos. Pessoalmente dá-me imenso jeito (e proveito) que a RTP se mantenha pública, mas em termos de valores sou incapaz de o defender. Passam-se autênticos escândalos lá dentro.
Sabe-se, muito bem, que os subsídios sociais têm sido um factor determinante para retirar milhões de pessoas da pobreza, fazendo com que, depois, todos possamos viver muito melhor. Atente-se, por exemplo, nas políticas de Lula da Silva no Brasil.
Não conheço com muito detalhe o caso concreto do Fome Zero e seus derivados. Há que ter em conta, no entanto, várias coisas. O Brasil tem quase 200 milhões de habitantes, sendo que 12 milhões beneficiam desta redistribuição. Isto é muito diferente de um plano integrado em que toda a população é tributada e 'beneficiada' simultaneamente. Em segundo lugar, não haveria riqueza para distribuír sem projectos como o PAC, que baixaram impostos corporativos, e a abertura ao investimento externo, melhorando significativamente o mercado de trabalho: são estas as medidas responsáveis por transformar o Brasil na 7ª maior economia por poder de compra. Também é preciso ter uma perspectiva comparativa: por ignorância não presumirei comentar, mas é importante considerar também quais as políticas seguidas anteriormente, já que essas nos explicam a situação com que o Lula se deparou originalmente. Portugal, por exemplo, foi incapaz de se desenvolver com a mesma eficácia que o resto da Europa entre o fim da 2ª Grande Guerra e o 25 de Abril, devido a políticas de proteccionismo económico e corporativismo. O exemplo mais batido é o da ausência da Coca-Cola (ao contrário das províncias ultramarinas de Angola e Moçambique).
Já agora, diz-se ter nojo de e não ter nojo a.
Mea maxima culpa. O Português, excepto a um nível conversacional básico, já não é o meu idioma primário no dia a dia. Longe também vão as leituras...