Lembro-me como se fosse ontem. Lembro-me do que tinha vestido, lembro-me do que tinha calçado, lembro-me de quem estava ao meu lado, lembro-me do que estava a comer, lembro-me de tudo.
Era a noite da passagem de ano. Estava numa mesa, com o meu primo, e estava a comer um rissol
Estávamos a falar sobre as pessoas da vila em geral, ou seja, eu estava a fazer-lhe uma sondagem "inócua" para saber o nome daquela rapariga por quem andava babada há já algum tempo. Ele falava e os meus olhos estavam a mil rotações por minuto na esperança que ela entrasse no pavilhão.
Olhei para a direita, voltei a encarar o meu primo... Mas, espera! Vi-a. O mundo, literalmente, PAROU. Já me tinham diro que o planeta abrandava a rotação por uns minutos quando encontrávamos o nosso primeiro amor, mas eu achava essa teoria no mínimo tola. \Mas não, o mundo parou MESMO.
Escusado será dizer que o rissol caiu pra cima do meu primo, que a afastar-se deixou verter o copo de sumo pra o meu polar azul. Só me apercebi disso após voltar à realidade. Porque nesse espaço de segundos, minutos, horas (?) em que tudo susteve a vida, em que as pessoas dançavam paradas, em que os miúdos corriam quietos, em que os confettis caiam suspensos... Só havia ela.
Ela mexia-se. Era a unica. Descia as escadas, com um vestido preto rasgado nas costas e aqueles olhos verdes a olhar para mim. Deve ter visto o meu lindo estado mal-amanhado e a minha real cara de parva, porque se riu... aliás, sorriu. Tinha cortado o cabelo, aqueles caracois loiros tinham desaparecido, não havia mechas loiras a roçar as costas. Em vez disso tinha uma franja penteada para a esquerda quase a esconder aquele olhar. Soube-o.
"És tu."
Desviei o olhar e a azáfama voltou. Os confettis caiam furiosamente, as crianças faziam um barulho estridente, as pessoas valssavam.
Tudo voltou a ser como era, mas nada voltou a ser o mesmo.
O meu primo ralhava-me...
"Desculpa, Ricardo, tenho de ir fazer uma coisa."
Desapertei os cordões por baixo da mesa e corri até às escadas, como se as fosse subir apressadamente. "Cai". Ela tropeçou.
"Estás bem? Tens a sapatilha desatada."
De pé, estendeu-me a mão. Sorri.
"Olá. Xana, não é? Desculpa."
Não se esquece. Não se esquece mesmo.
