Cada vez mais a expressão "amor à primeira vista" me parece impossível. Quanto muito seria "paixão à primeira vista".
Penso que o amor é algo que se sabe o que é quando se sente, sim.
Mas algo que só se pode sentir depois de verdadeiramente conhecermos alguém.
E, muito importante também, algo que não é exclusivo numa relação amorosa. Mesmo sem falar do amor fraternal/de família.
Ah, e que pode dar muitas e muitas voltas.
Conhecer alguém novo deixa-nos certamente uma primeira impressão diferente.
Se estamos na praia e vemos passar alguém atraente ficamos certamente curiosos; talvez até desenvolvamos uma certa paixão, centrada no físico.
Numa app de dating temos oportunidade de procurar um perfil que encaixe nos nossos gostos, tanto físicos como, em certa medida, afetivos. Já levamos uma certa expetativa na hora de falar com essa pessoa.
No trabalho começam todos por ser noves colegas. À partida se calhar até associamos logo que aquelas pessoas todas não vão passar disso. A não ser aquela pessoa gire que esperamos que venha a gostar de nós! Se calhar até pode vir a ser work husband/wife/whatever!
Nesta fase acho que o máximo que sentimos é paixão. Seja física ou emocional. À medida que o tempo passa essa paixão vai sendo "refinada".
A pessoa que vimos na praia se calhar volta no dia seguinte, se calhar não. Se não fizermos nada em relação ao assunto eventualmente acabamos por esquecer tão depressa quanto apareceu.
Aquela pessoa que conhecemos na app e pouco sabíamos pode acabar por se revelar compatível; à medida que nos passamos a conhecer melhor e nos encontramos, percebemos os gostos que partilhamos ou não e o tipo de pessoa que somos. Podemos começar a sentir algo mais forte, mais afetivo e até a idealizar um futuro ao lado delx.
No trabalho pode haver aquela pessoa que acaba por nos acolher no grupo (empresa, projeto, o que seja) e que se preocupa em garantir que está tudo bem connosco. E depois combinamos saídas fora do trabalho, passamos a socializar num ambiente não-laboral; se calhar até nos leva em novas experiências. E também neste caso podemos começar a sentir algo mais; até porque já conhecemos muito dessa pessoa (não é por acaso que se diz que no trabalho está a segunda família; especialmente quando se passa 8 horas no mesmo espaço com as mesmas pessoas).
No fundo, quer no caso de uma relação que começou numa app quer no caso de uma que começou no trabalho, podemos acabar por sentir uma forte paixão pelas pessoas em causa. Algo que nos mantém acordados de noite, a pensar no que pode acontecer, a fazer planos para o futuro e a desejar passar mais tempo com elxs. E ainda assim pode não ser amor.
Então, sim, começa a verdadeira descoberta.
Começamos uma relação com a pessoa da app. Começamos a partilhar o dia-a-dia, as rotinas, os hábitos. Começamos a planear férias em conjunto, as idas e vindas de/para o trabalho. As compras, as contas; as famílias, os amigos. Começam a acontecer os desentendimentos, as discussões por causa de certos comportamentos. Começamos a descobrir e a tentar lidar com outros defeitos em cada um. Começamos a juntar as peças dos vários comportamentos que temos, o que dizemos e realmente fazemos, como nos comportamos quando há desentendimentos. Há muito a aprender sobre as pessoas nas alturas em que nem tudo está bem. E depois pensamos no futuro, no que queremos para nós e se a pessoa com quem estamos e já partilhámos muitos momentos felizes é de facto a quem queremos confiar o nosso futuro.
Com a pessoa do trabalho, começamos a partilhar mais de nós enquanto pessoas. Percebemos que uma relação amorosa está fora de questão. Mas sentimo-nos confortáveis para continuar com uma amizade. Convidamos-nos para jantar em casa uma da outra, com a família ou cara-metade; planemos férias, começamos a ir ao ginásio juntes. Partilhamos histórias da juventude, umas mais alegres e outras mais tristes. E apoiamo-nos mutuamente nas alturas em que a vida não corre bem; em que há problemas, quer de saúde física quer mental. E também temos discussões e desentendimentos; alturas em que deixamos a outra pessoa ficar mal. E, quando isso acontece apercebemo-nos do que já passámos juntos e do quanto ela já esteve lá para nós. E que, aconteça o que acontecer, esta pessoa é a mais importante para nós e queremos mantê-la na nossa vida. E não há nenhum problema, por mais sério que seja, que vai acabar essa relação. Pode levar é mais tempo a sarar feridas, mas elas saram sempre. Aliás, parte do nosso bem estar passa a ser o bem estar da outra pessoa.
E acabamos por descobrir que na nossa relação amorosa, mais do que amor, havia uma paixão que se foi desvanecendo. E que na nossa amizade foi crescendo um sentimento que, mesmo não sendo correspondido da mesma forma, não deixa de ser amor.