Olá a todos!
Se estamos sempre a dizer às pessoas para se aceitarem como são, porque não dizemos aos transsexuais para tentarem aceitar o que têm?
Compreendes tudo aquilo que tu próprio dizes nesta frase? É que dás a resposta do porquê de as coisas serem como são. "Se estamos sempre a dizer às pessoas para se aceitarem
como SÃO", temos de dizê-lo sim, também aos transexuais. Que têm de se aceitar
como SÃO, e não "aceitar
o que TÊM". Percebes a diferença entre os dois?
Nós somos o que somos, não somos o que temos! Espero não te surpreender ao dizer isto, mas tu não és um homem porque tens uma pilinha! És um homem por um conjunto de factores, dos quais os biológicos são apenas um. Outros são sociais, culturais e psicológicos. E mais, não és decerto homossexual só porque gostas de pilinhas, mas porque gostas de um conjunto de caracteristicas físicas e psicológicas que, por regra, encontras bem combinadas num homem.
Agora quando falamos em psicológico, temos de compreender que nos transexuais há um
eu-psicológico que se identifica como sendo do sexo oposto àquele que a biologia indica. E não um eu-psicológico de determinado sexo, convencido que na verdade pertence ao sexo oposto. E é isto que faz toda a diferença entre quem é ou não transexual, porque as duas situações podem, efectivamente, ocorrer.
É óbvio que as pessoas enquadradas no segundo quadro, nunca deverão passar por um processo de reatribuição sexual, mas sim por acompanhamento psicológico que as leve a compreender o que realmente sentem e o que realmente são. No caso dos transexuais, psicoterapia alguma poderia transformar o eu-psicológico de forma a que se pasasse a identificar com o seu sexo biológico. Porque este eu-psicológico, o cérebro, tem um sexo diferente do restante corpo. Por isso temos uma
disforia de género.
E por isso o processo de diagnóstico desta disforia de género, da transexualidade, é moroso e complicado. E ainda assim, admitamos, não é infalível. Só para terem uma ideia, a pessoa que sente que pode ser transexual tem, antes de tudo, passar por uma avaliação psicológica que comprove que não padece de qualquer doença mental (e isto, sim, exclui a disforia de género da categoria de doenças mentais). Comprovando-se que a mente é sã, sem quaisquer perturbações que possam dificultar a sua identificação em relação ao género, esta pessoa terá de passar dois anos (no mínimo) em seguimento pelo seu psicólogo clínico ou psiquiatra, de forma a comprovar que é mesmo aquilo que sente, e que uma reatribuição sexual definitiva irá trazer mais conforto e qualidade de vida a esta pessoa (isto enquanto vive de acordo com esse género, geralmente já em terapia de substituição hormonal - um tratamento que é reversível).
Acrescento que tentativas de alterar o cérebro dos transexuais, no lugar de lhes alterar o corpo, foram feitas desde que se começou a estudar o fenómeno. Resultados? Não funcionou, obviamente! Vocês conhecem algum caso em que se consiga fazer alterações estruturais ao cérebro humano? Decerto não, pois não existem. Se não há mais divulgação sobre essas tentativas, é porque é quase consensual para a sexologia recente que o tratamento da transexualidade deve ser feito pela alteração do corpo. E digo quase, porque acontecem casos encobertos, de tentativas de fazer essa alteração ao cérebro, dentro de consultas de sexologia que aparentemente se propõe a realizar o único tratamento reconhecido como responsável. E é claro que estes não correm bem e logo não chegam a público...
Também não podemos esquecer, que fora deste âmbito, os programas de reconversão para homossexuais também são aplicados aos transexuais. Afinal, para quem não quer compreender, é tudo perversão, é tudo a mesma coisa.
Eu sou gay e não me adianta tentar mudar. Por outro lado é aceitável se um transsexual, que é homem tentar mudar para mulher e vice-versa?
Estas comparações da transexualidade com a homossexualidade é que não têm absolutamente cabimento nenhum, apesar de se insistir nelas nas mais variadas vertentes.
Na verdade, a comparação que podes fazer é que obrigar um homem transexual (pessoa que nasceu mulher e se sente um homem) a ser uma mulher, porque é esse o corpo que tem, é o mesmo que obrigar um homossexual a ser heterosexual, porque só numa relação hetero encontrará a possibilidade de procriar.
Todos vocês me dirão, com certeza, que não é necessário procriar, para que uma relação entre duas pessoas dê certo e as pessoas sejam felizes. Pois o que vos quero dizer é que não basta a ninguém ter um corpo de determinado sexo, para que se desenvolva saudavelmente de acordo com esse sexo.
Se alguém souber uma explicação decente para os sentimentos transsexuais, faça o favor de responder, que estas questões não são retóricas.
Talvez um transsexual, por exemplo.
E o que seria uma explicação decente? Um comprovativo dos factores biológicos que levam o cérebro das pessoas transexuais a desenvolver-se de um sexo diferente do seu restante corpo?
Eu nasci com um corpo masculino perfeito, e ao longo da minha vida nunca me senti masculino. Nunca senti que fosse um homem e que houvesse a mínima hipótese em viver toda a minha vida nesse papel. Passei a minha adolescência a rejeitar o corpo que tinha e a lutar pela hipótese de o ver alterado. E só comecei a atingir alguma paz de espirito quando essas alterações foram aparecendo. Porquê que isto aconteceu? Não faço a mínima ideia!
O facto é que qualquer pessoa transexual te pode explicar aquilo que sente, que é mais forte que tudo. Que o faz lutar uma vida inteira pela sua identidade, se lhe for dada essa opurtunidade. Ou que o faz sofrer em silêncio uma vida inteira, no caso contrário. Mas nenhum te poderá dar um porquê. E, mantendo a comparação, tu poderás dar-me uma explicação decente do porque de seres homossexual?
Se calhar a única resposta sincera que podemos dar é mesmo
"We were born this way, baby!"...
Mas, e se a sociedade não nos impusesse papéis de género, haveria quem quisesse proceder à alteração de sexo? Se a heteronormatividade não existisse, sentiriam os transexuais necessidade de alterar o seu corpo para algo concordante, por predefinição, com o papel de género que pretendem desenrolar?
Esta questão não terá fim enquanto não se compreender o mais elementar da questão transexual. O que o transexual reivindica é um corpo consoante com a sua
identidade de género, e não o direito a uma
expressão de género não normativa (e preferia deixar a heteronormatividade fora da discussão, pois o que falamos aqui vai para além das contruções de um ideal hetero - como comprovam vários depoimentos neste fórum por pessoas homossexuais). A identidade de género do transexual é discordante com o seu corpo, o que o pode levar a procurar formas de o alterar e adequar o corpo ao género (embora não seja obrigatório que o faça!). No entanto, no que diz respeito à expressão de género, o transexual é tão livre quanto os outros seres humanos. É errado continuarmos a acreditar que as mulheres transexuais tentam ser mais mulheres que todas as outras mulheres, e que os homens transexuais tentam ser mais homens que todos os outros. Isto nem sempre acontece!
Para encerrar este post, regresso à questão central do tópico:
Deverá a transexualidade ser considerada uma doença?
Sim. A partir do momento em que existe mal-estar e sofrimento ligados directamente à condição de transexual, e este efectivamente existe, estamos a lidar com uma doença. E assim sendo, as pessoas transexuais têm o direito a que a sua condição seja medicamente salvaguardada, para que lhes sejam garantidos todos os tratamentos que lhe podem garantir o bem-estar e a qualidade de vida que a condição transexual lhes retira.