O reconhecimento da nossa identidade não devia estar condicionado pela nossa aparência. Eu sou um homem, e já o era muito antes de "parecer" um homem e de ser identificado como tal por terceiros. Não faz sentido estar a colocar entraves ao reconhecimento legal da identidade de alguém com base na aparência da pessoa. Até porque, como o Atomic disse, há pessoas que, por qualquer motivo, não podem ou não precisam de fazer modificações físicas.
Sobre o caso particular de menores de idade, é preciso relembrar que há pessoas que começam a sua transição física aos 16. Eu conheço pessoalmente dois casos de rapazes que aos 16 já tinham uma aparência masculina, viviam como rapazes, mas estavam presos ao nome de nascimento, porque não tinham forma de o mudar. Ambos os casos tinham apoio da família. Portanto, esse problema de haver malta com aparência de um género e identidade legal do outro género é algo que já existe, não é algo que iria ser introduzido por esta nova lei.
Há pessoas neste tópico que parecem achar que uma pessoa toma a decisão de mudar de nome de forma leve, quando a realidade não é de todo essa. Lá por a lei deixar uma pessoa mudar de nome quando queira, não significa que toda a gente trans iria subitamente começar a mudar de nome assim por impulso. Aliás, basta ver os casos de pessoas trans que, mesmo podendo mudar de nome, não o fazem de imediato, aguardam pelo momento ideal para o fazer. Foi o meu caso, que mesmo depois de ter as avaliações concluidas, diagnósticos feitos e relatórios todos nas mãos, esperei uns meses e escolhi a melhor altura para mim para mudar de nome.
Mas eu tive a sorte de ter clínicos que me permitiram fazer a minha transição ao meu ritmo, aos meus timmings. Nem toda a gente tem essa sorte, e têm de esperar até que os médicos decidam qual é a altura ideal para as pessoas mudarem de nome. Isso não me faz sentido nenhhum. Uma lei como esta nova que o PR vetou iria colocar essa decisão nas mãos das pessoas trans, em vez das mãos dos médicos, como acontece atualmente.
Essa "preocupação" com "e se as pessoas se arrependem" ou "e se mudam de nome antes de ter a aparência correta" etc. só me comunica que a maioria das pessoas julga que as pessoas trans não têm maturidade ou consciência suficiente para avaliar a sua própria situação pessoal e precisam sempre do aval de médicos para tomarmos decisões por nós.
Deixem-nos a nós decidir quando é que é o melhor momento para mudarmos de nome. Deixem-nos a nós decidir quais intervenções clínicas precisamos de fazer antes ou depois de mudar de nome. Deixem-nos a nós avaliar se queremos mudar de nome antes ou depois de termos a aparência "correta". Deixem-nos a nós controlar as nossas vidas e metam-se na vossa.
edit:
sobre o tópico de os diagnósticos servirem para "filtrar" quem não é mesmo trans:
Os critérios de diagnóstico, como descritos pelo DSM-V, são todos baseados no "self-reporting" da própria pessoa, não existindo métodos objetivos de determinar a identidade de uma pessoa. Isto para dizer que um diagnóstico não é uma ferramenta perfeita para avaliar o género de algúem, como muita gente parece pensar que é. Além disto, cá em Portugal não existe uma uniformização dos métodos de acompanhamento e de diagnóstico, sendo que cada médico faz como "acha melhor", muitas vezes ignorando as normas clínicas internacionais e providenciando cuidados clínicos que ficam aquém dos standards de qualidade internacionalmente definidos (ver: Standards of Care, publicados pela WPATH, e comparem com o que se faz dentro dos consultórios de sexologia cá em Portugal)
Curiosamente, e só a título de exemplo isolado, o único caso que tenho conhecimento direto cá em portugal de uma pessoa que mudou de nome e depois mais tarde se arrependeu e mudou de volta foi de uma pessoa que tinha os dois diagnosticos feitos. Mas tenho sempre curiosidade quando vejo malta a dizer que há "muita gente" [citation needed] que se arrepende, usando isso como argumento pro-diagnóstico.