8 de agosto de 2021
"Dois títulos olímpicos que, de facto, não deveriam existir, de Caster Semenya da África do Sul, que não é uma mulher, para todos os efeitos" - Luís Lopes, comentador de atletismo da RTP
Na emissão dos 800m femininos dia 3 de agosto, Luís Lopes voltou a fazer comentários preconceituosos, a adicionar aos reparos racistas e xenófobos dos quais já foi advertido no passado, mas desta vez sobre a atleta Caster Semenya, a qual foi impedida de competir devido às suas características físicas.
Como tem vindo a ser reportado ao longo dos últimos anos, várias atletas, predominantemente mulheres negras de países africanos, têm visto a sua elegibilidade para competir em certas modalidades posta em causa por não cumprirem certas normas arbitrariamente definidas sobre o que é ser mulher.
Caster Semenya foi uma das atletas prejudicadas pelas regras dirigidas a mulheres consideradas como tendo diferenças de desenvolvimento sexual, especificamente em relação ao nível da testosterona, sendo o seu mais alto do que o padrão definido para as mulheres. Por este motivo, as regras determinam que Semenya tem de alterar artificialmente os seus níveis de testosterona através de contraceptivos, injecções de bloqueadores hormonais ou submeter-se a cirurgia para poder competir.
Semenya viu-se sujeita a um processo médico reconhecido pelas Nações Unidas como "desnecessário, humilhante e danoso", vendo agora as suas conclusões disponíveis na internet, informação que outrora nunca saberíamos sobre nenhuma outra atleta. Luís Lopes, na sua condição de comentador, decidiu usar esta informação e afirmar que Caster Semenya não é mulher e não deveria ser detentora dos títulos que conquistou.
Infelizmente, o policiamento constante de corpos não-normativos torna-se cada vez mais frequente, particularmente no atletismo, devido à crença errónea e infundamentada de que uma biologia sexual “mais masculina” leva a vantagens injustas na competição entre mulheres. Esta crença assenta na ideia de que testosterona é o fator mais importante que define o desempenho físico da pessoa, quando na realidade este é uma conjugação de todas as suas características biológicas, empenho, treino, entre outros fatores. Todas as pessoas têm anatomias e características que variam entre si e atletas como Michael Phelps são celebrados pelas suas vantagens competitivas provenientes da sua biologia única, enquanto que atletas intersexo e atletas trans são demonizados.
É notória a influência do preconceito e do discurso de ódio, especificamente contra mulheres trans e intersexo, tanto em círculos "feministas", programas políticos, e neste caso, programas desportivos, criando uma falsa percepção de ameaça para a sociedade e necessidade de “proteger” as mulheres cis e não-intersexo.
Em Portugal, a Lei n.º 38/2018 protege contra a discriminação com base nas características sexuais, e garante a protecção da integridade de pessoas intersexo e o direito à sua autodeterminação corporal. A lei proibe ainda a discriminação com base na identidade de género, sendo que fica assim garantida a não-discriminação das pessoas trans e intersexo no acesso ao desporto.
Repudiamos veemente a transmissão destas afirmações discriminatórias e a normalização de discurso de ódio na televisão nacional. Mostramo-nos mais uma vez disponíveis para providenciar à RTP todos os materiais e sessões de capacitação necessárias para assegurar que a nossa televisão pública estará livre de discurso discriminatório.